quarta-feira, 24 de junho de 2009

MINI CONTOS URBANOS – V


Baterista

A manhã começa a tomar forma com os primeiros raios de sol saindo entre os prédios. A grama ainda tem em seu leito gotas do orvalho da noite. O ar é frio, o parque ainda está despertando.


Os passos são curtos, apressados. Os braços agitam no ar as baquetas, batidas vertiginosas que estrondam no silêncio do parque. Ninguém ouve, a reverberação ecoa em silêncio. O chimbal, os pratos, a caixa, o tom, o surdo estão soando no imaginário dele. Ele castiga as peles enquanto anda. Vai improvisando as batidas ao ritmo do rufar do seu coração.


O baterista anda pelo parque e leva com ele todos os ritmos. Onomatopéias sonoras vão se formando em sua cabeça e na cabeça dos outros freqüentadores do parque que cruzam quase todos os dias com aquela cena insólita. Tudo vibra claro e límpido no campo das possibilidades.


Seus passos se apressam enquanto dita o ritmo com as baquetas. Vai contornando as alamedas do parque, absorto em seu improviso. Houve-se um bolero ao longe.

…Sentindo um frio em minh’ alma…
….meu coração traiçoeiro, batia mais que o bongô…


Ele não perde o ritmo, segue impassível buscando um rock, um pop, um reggae, uma jazz session, algo para soar com energia no meio da metrópole que já começa a se congestionar. Buzinas, motores, apitos, freadas, tudo se mistura em um grande zumbido.


A poluição sonora aumenta à medida que a manhã avança. Mas o baterista não tem muito tempo. Seu treino rítmico aeróbico tem hora para terminar. Os sons repercutidos vão perdendo a intensidade.


O parque está entregue novamente aos pássaros e aos diálogos soltos das pessoas que caminham buscando uma qualidade de vida melhor no caos da metrópole. O baterista sai de cena. Vai para casa, para o trabalho, preparar uma sessão rítmica em outra banda, em outra orquestra.

Na partitura da metrópole surge uma pausa.

Silêncio.

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