quinta-feira, 2 de outubro de 2008

MINI CONTOS URBANOS - III


Incompatibilidade

“Sim” ele disse.

“Não” ela disse.

“Sim” ele tornou a dizer.

“Não” ela tornou a dizer.


E nesse “disse-me-disse”, disseminou-se um tremendo mal-estar. Já havia um tempo que as coisas não andavam bem. Uma disputa silenciosa se travava entre os dois, ninguém queria ceder. Foi então que veio o dilúvio e inundou toda a terra. Eles nadaram até a exaustão, cada um prum lado, é claro.


“A terra firme é por aqui”.
“De jeito nenhum, fica pra lá!”.

E os dias foram passando e a água não baixava. O relacionamento naufragava pouco a pouco. Neste dilúvio de incertezas, a única coisa que restava era a teimosia de cada um. Por mais que tentassem se entender, o orgulho era maior. Humildade não fazia parte do vocabulário de nenhum dos dois.

“A vida não é assim como você imagina, não”.

“Você é que pensa!, eu sei do que estou falando”.


No jogo de empurra, cada um tentava colocar no outro a culpa pela intransigência, pelo fracasso, pela frustração. Ninguém queria assumir que bastava olhar no espelho para ver a verdadeira face da derrota. Ela estava estampada no rosto de cada um deles.

Caminhos para reverter essa situação já haviam sido tentados, mas sem resultados. O que os dois mais temiam era a sensação de incerteza e de perda do controle sobre as coisas mais corriqueiras. Queriam dar vida e significado a tudo o que faziam e diziam, como se daquela disputa caótica pela “razão” fossem obter a glória, a vitória sobre o outro de forma irrefutável.


Uma trégua, alguns dias de calmaria e por fim…


“Sim” ela disse.

“Não” ele disse.