quarta-feira, 21 de outubro de 2009

UM

- Um, dois, três...ele disse.

Uns pingos, umas gotas, invadiram o ambiente.


- Um, dois, três...ela disse.


Nenhum pingo, nenhuma gota.

- Quantas portas terei que fechar, quantas janelas terei que cerrar para que você entenda que as tempestades podem vir a qualquer momento?

Lá fora o mar continua impassível, com as ondas lambendo a areia num vai e vem infitino. Apesar do movimento intenso da maré, está muito calmo.

Tudo é muito bonito por aqui. A paisagem exuberante esconde segredos, restos de fantasia. Quando a noite cai, o cheiro da maresia fica mais forte, um abafado morno que gruda nas narinas e faz recordar outras praias, mares distantes, guardados nos recônditos da memória. Como um retrato em preto e branco, já desbotado, um clima de ausência, silenciosa solidão.

- Não tem mais jeito, você não aprende nunca!
- Não mude de assunto, estamos falando de portas e janelas.

Quando construiram a casa quiseram tudo muito aberto, portas e janelas amplas, varanda circundando a casa, uma clarabóia para deixar entrar a luz natural. Agora ela quer tudo fechado. Perdeu aquela confiança que tinha no tempo firme, ensolarado, nas noites pontilhadas de estrelas, da lua que rasgava o céu sem medo.

Da varanda ela observava as constelações, tentava ver os signos no céu, identificar o movimento das estrelas, ver nelas, as mudanças de estaçao, e durante as tardes quentes, o solstício e o equinócio.

Ele não sabe ao certo o que aconteceu. Porque essa teimosia enclausurada.


Ontem ela acordou e disse que precisava ir até uma serraria. Queria comprar tábuas para pregar nas portas e janelas. Jogou uma lona preta por cima da clarabóia.

- Acho que o que está apagando é a sua luz interior...


quinta-feira, 25 de junho de 2009

MINI CONTOS URBANOS – VI


Enforcado

O dia transcorria normalmente. No cruzamento mais famoso da grande metrópole, a fauna se movimentava com rapidez e sofreguidão. Cada qual com seus anjos e demônios, cada qual com seus devaneios.

A São João com a Ipiranga sempre foi um mar de gente e continuará sendo por muito tempo. O estranho é que existe um certo fascínio naquele movimento todo, nas pessoas que insistem em atravessar de um lado para o outro, mesmo sem saber para aonde estão indo. “O caminho se faz à medida que se caminha”. O destino é incerto mas a esquina é mais do que certa.

Frases soltas no ar, aqui e ali:

- Vou almoçar hoje no Bar Brahma, faz muito tempo que não vou lá…

- Essa merda de trânsito ainda vai me deixar louco…

- Se ela me abandonar de vez…..bom, vou tomar um suco na do outro lado da esquina…

Naquele burburinho todo, de repente me vi dependurado por um dos pés bem no meio da São João com a Ipiranga. Era eu mesmo, de ponta-cabeça olhando tudo aquilo pelo avesso!


Alguma coisa acontece no meu coração - parafraseando a música que imortalizou o local - meus batimentos cardíacos estão bem acima do que é considerado normal. Estou agitado. Esta visão distorcida da realidade me deixa nervoso. Imobilizado, preso por um dos pés, como em uma carta do Tarô inverossímil, que me faz refletir sobre minha visão do mundo.


Para aonde devo olhar? O que realmente eu quero ver? O mundo virou de ponta-cabeça ou será que sou eu que quero inverter as coisas?


Tenho o resto do corpo livre, uma das pernas, as mãos, o tronco, a cabeça, a mente, o espírito. A corda que me prende é a mesma que me liberta. As pessoas passam por mim como se eu não estivesse lá. A pressa geralmente cega.


Permaneço o dia todo nesta posição incômoda, afinal ser enforcado não é nada agradável. Sempre dá um nó na garganta.


quarta-feira, 24 de junho de 2009

BEIRUT - GULAG ORKESTAR


O som não é tão recente, mas para os meus ouvidos e meus sentidos, sim. Ainda não conhecia o trabalho desta banda que, ao contrário do que sugere o nome, é americana e o seu vocalista, Zach Condon’s vive em Brooklyn, Nova Iorque. O disco traz as influências que Zach sofreu da música dos balcãs e da música cigana. O resultado é inquietante. É uma espécie de folk cigano mas que reúne uma série de influências – ou referencias. Podemos perceber ali traços de um Morrissey, do The Cure ou até mesmo de Antony & The Johnsons e uma certa melancolia que causa bastante estranheza, somada a instrumentos não convencionais no mundo pop. Estas misturas me atraem bastante, como é o caso o irrequieto André Abujamra e seu Karnak, cheio de referencias, não preso a um estilo ou ao padrão rígido das gravadoras. Vale a pena ouvir as tessituras musicais propostas por esta banda, ajudam a limpar dos ouvidos o “lugar comum” que estamos acostumados a encontrar todos os dias no dial.

MINI CONTOS URBANOS – V


Baterista

A manhã começa a tomar forma com os primeiros raios de sol saindo entre os prédios. A grama ainda tem em seu leito gotas do orvalho da noite. O ar é frio, o parque ainda está despertando.


Os passos são curtos, apressados. Os braços agitam no ar as baquetas, batidas vertiginosas que estrondam no silêncio do parque. Ninguém ouve, a reverberação ecoa em silêncio. O chimbal, os pratos, a caixa, o tom, o surdo estão soando no imaginário dele. Ele castiga as peles enquanto anda. Vai improvisando as batidas ao ritmo do rufar do seu coração.


O baterista anda pelo parque e leva com ele todos os ritmos. Onomatopéias sonoras vão se formando em sua cabeça e na cabeça dos outros freqüentadores do parque que cruzam quase todos os dias com aquela cena insólita. Tudo vibra claro e límpido no campo das possibilidades.


Seus passos se apressam enquanto dita o ritmo com as baquetas. Vai contornando as alamedas do parque, absorto em seu improviso. Houve-se um bolero ao longe.

…Sentindo um frio em minh’ alma…
….meu coração traiçoeiro, batia mais que o bongô…


Ele não perde o ritmo, segue impassível buscando um rock, um pop, um reggae, uma jazz session, algo para soar com energia no meio da metrópole que já começa a se congestionar. Buzinas, motores, apitos, freadas, tudo se mistura em um grande zumbido.


A poluição sonora aumenta à medida que a manhã avança. Mas o baterista não tem muito tempo. Seu treino rítmico aeróbico tem hora para terminar. Os sons repercutidos vão perdendo a intensidade.


O parque está entregue novamente aos pássaros e aos diálogos soltos das pessoas que caminham buscando uma qualidade de vida melhor no caos da metrópole. O baterista sai de cena. Vai para casa, para o trabalho, preparar uma sessão rítmica em outra banda, em outra orquestra.

Na partitura da metrópole surge uma pausa.

Silêncio.

terça-feira, 9 de junho de 2009

SIM, HÁ ESPERANZA.


Ontem tive a sorte de ganhar um par de ingressos para assistir ao show de um dos grandes nomes do jazz e do rhythm and blues, uma pessoa que dispensa apresentação, do alto de seus 66 anos de idade. George Benson estava lá com a sua elegância, simpatia e a voz macia, aveludada, e nesta noite mais impostada, para interpretar outro monstro da canção americana, Nat King Cole. Mais de 30 músicos no palco, coral e belas interpretações. É claro que no final do show tivemos a Benson’s Party, onde ele desfiou seus maiores sucessos, mostrando todo o seu talento e virtuose, um ofício que ele começou a aprender precocemente, desde os 10 anos de idade, quando lançou seu primeiro álbum.

Mas antes de Mr. Benson, tivemos Esperanza Spalding. Magrinha, espevitada, com nome sugestivo, dona de uma voz potente e suingada, com um contrabaixo acústico bem maior que ela, Esperanza dominou a cena, abrindo o show para George Benson com simpatia, e muito, muito talento, passeando com desenvoltura por sonoridades que remetem a gêneros como o bolero, o suingue, blues, o soul e a MPB. Aliás ela é fã de MPB e Bossa Nova. A influência da música brasileira é bastante clara em sua obra. Além de cantar em português, arranha um pouco do idioma.

Com seus músicos afinadíssimos, nos brindou com uma versão meio jazzística, meio samba, de Ponta de Areia de Milton Nascimento. Quase sem sotaque, Esperanza mostra que estudou bem a canção bem como a maneira que nossos interpretes usam a voz.


Nascida em Portland, do estado de Oregon, Esperanza começou a tocar violino aos cinco anos de idade. Dez anos depois ela já entrava no mundo profissional da música, se apresentando em clubes da cidade como baixista ou vocalista em bandas de jazz e um grupo de música fusion. Com apenas 24 anos, Esperanza é uma das maiores revelações do jazz e por seu talento deve fazer história. Cantora, contrabaixista e compositora, canta em inglês, espanhol e português e consegue se destacar em um meio quase exclusivo dos homens, com suas composições próprias e seu baixo, que já acompanhou nomes como Pat Metheny e Joe Lovano. Vale a pena ver e ouvir.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

MINI CONTOS URBANOS - IV

A Serpente

Final de tarde. A garoa começa a castigar a metrópole. O asfalto vai criando um creme, mistura da fumaça, da poeira, da fuligem, deixando a pista escorregadia, perigosa.

Em instantes a serpente vai se formando. Seus gomos metálicos se aproximam, com olhos brilhantes e o sinal de alerta, vermelho vivo, brilhando na parte traseira.


A serpente é enorme, parece não ter fim. Dentro dela, milhares de pequenos seres, encolhidos, trancados em seu aparelho digestivo, tentando em vão uma saída. Ela se movimenta lentamente, vai se arrastando pela tarde chuvosa, crescendo em ritmo geométrico.


Os pequenos seres estão se remoendo dentro da grande serpente, impotentes, sem saber como escapar daquela prisão. Vêem vermes de duas rodas passando entre as serpentes, rápidos, velozes e furiosos. O relógio insiste em caminhar, impulsionando as horas, mas o cenário não muda muito. Tudo é caótico, confuso, barulhento.

Ninguém quer perder o ritmo, ninguém quer ficar para trás. Perder a serpente significa perder ainda mais tempo. E lentamente vão se arrastando, com seus tédios, seus sonhos, suas frustrações pelo asfalto molhado.

De repente tudo pára. A serpente está imóvel. Os seres pequenos se inquietam e começam a urrar pelas buzinas estridentes. A serpente vai ficando inquieta, seus gomos metálicos tentam desesperadamente escapar. Ela teme pelo seu destino e prepara-se para dar o bote. Vai tomando cada vez mais corpo, engrossando, para poder engolir tudo a sua volta. O espetáculo é indescritível, tudo está travado dentro de suas entranhas. Nada passa, nada sai, nada se movimenta.

O som de uma sirene vai se tornando cada vez mais forte. A serpente se contorce, abre suas entranhas para dar passagem. A ambulância avança, pára logo à frente. Um acidente, um ferido, uma urgência no meio do caos urbano. A ambulância segue seu caminho, costurando a serpente que vai lentamente retornando a sua forma, comprida, lenta, entediante no breu da noite.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O VELHO CHUCK CONTINUA MANDANDO BEM!


Dia desses zapeando pela TV me deparei com o filme Chuck Berry Hail! Hail! Rock’n’Roll, de 1987. Lá estava a grande legenda do Rock ‘n’ Roll, em sua cidade natal, Saint Louis, retratado no documentário musical de Taylor Hackford. Peguei o documentário da metade para o fim, mas mesmo assim já foi um grande deleite. 

Entrevistas com outras feras com Bo Diddley, Little Richard, Roy Orbison, entre outros, vão passando um pouco das histórias e da personalidade dessa figura ímpar. No palco, outros nomes que continuam fazendo historia como Keith Richards, Robert Cray, Etta James, todos bem mais novinhos – é claro, na medida do possível - afinal lá se vão mais de 20 anos. A performance de Eric Clapton interpretando um blues cadenciado, onde demonstra o seu domínio do instrumento, mostra porque surgiu a expressão Eric is God.

Mas o que realmente me chamou a atenção foi o fato de ver a performance de Chuck no palco, junto de todas aquelas feras, mostrando primeiro que sua música é atemporal e depois pelo fato de ver que já há muito tempo ele entendeu que menos é mais, a exemplo do arquiteto e líder do movimento Bauhaus, Ludwig Miers van der Rohe, uma máxima que nos dias atuais virou moda. Com suas construções harmônicas básicas, simples, ele consegue eletrizar quem está do outro lado, mostrando que a música não vem do encadeamento de acordes e sim da alma de quem a cria.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

CONTO - O MAIOR CORREDOR DE TODOS OS TEMPOS


Ele nasceu em uma casa simples de um bairro da periferia de São Paulo. A família Átona morava em uma casa modesta do Tucuruvi, na Zona Norte. Benjamim Átona tinha uma vida pacata e trabalhava como encarregado geral em uma fábrica de parafusos. A sua mãe, Mariângela Átona era a típica dona de casa da classe média baixa, sem muitos sonhos, sem muitas ilusões, dedicando todo o seu tempo para cuidar da casa, do marido e dos filhos. Uma mãe carinhosa, dedicada e sempre preocupada em dar o melhor de si para servir a sua prole.

Ele era o quarto filho que vinha ao mundo. Quando nasceu chorou muito, como se essa ocasião tivesse interrompido algo muito bom que ele estava vivendo. Ainda havia uma certa indecisão quando ao nome que ele teria e muitas apostas foram feitas. Mas quando ele veio pela primeira vez para o quarto da mãe e seus pais puderam contemplar aquele ser pequenino que se espreguiçava a todo o momento, forçando os olhos para poder ver alguma coisa, não tiveram dúvidas. Pela sua constituição, seu biótipo singular, com pernas longilíneas, resolveram batizar o rebento de Osmar. Assim nasceu Osmar Átona, um personagem que iria fazer história no atletismo mundial.


Teve uma infância normal, como toda a criança de bairro, jogando bolinha, brincado de pião, andando de carrinho de rolimã, jogando futebol na rua, correndo atrás de pipa e de balão, só que nesses casos sempre chegava antes.


Já na escola começou a se destacar pela sua pressa. Sempre chegava antes em todos os lugares. Na sala de aula, no pátio do recreio, nas atividades extracurriculares. Nas aulas de Educação Física se destacava nas atividades que envolviam o deslocamento de um ponto para outro. Ninguém superara Osmar nas corridas ou em qualquer atividade que precisasse preencher um trecho com rapidez. Seu professor de Educação Física, Heitor, logo percebeu que ele era uma criança diferenciada e que precisava de um tratamento especial. Passou a orientá-lo com seus parcos conhecimentos de atletismo, o que já foi suficiente para despertar aquela chama interior que começava a arder dentro do Osmar.


- Se você quer ser alguém na vida, meu filho, corra! Corra o mais que você puder!

Os anos foram passando e Osmar Átona começou a se destacar no circuito escolar. Toda corrida que participava pela sua escola, ganhava sempre. E com uma grande vantagem sobre seus adversários. O garoto parecia um raio, ninguém chegava nem perto dele.


Sua mãe, sempre atenciosa e carinhosa com o filho caçula também passou a incentivá-lo.


- Se você quer ser alguém na vida, meu filho, corra! Corra o mais que você puder!


Quanto mais o tempo passava, Osmar cada vez mais ficava conhecido no circuito de corridas da cidade. Na adolescência, chegou a ganhar mais de 300 medalhas de ouro. Muitos atletas de outras escolas, quando viam que o Osmar estava inscrito na competição, desistiam pois já sabiam que não teriam chance diante daquele fenômeno.


Ao chegar ao curso superior, conseguiu uma bolsa de estudo para Educação Física, principalmente pelo seu grande currículo de conquistas. Em seguida foi procurado por um grande clube e por três empresas interessadas em patrocinar tamanho talento. Osmar pensou “meus sonhos estão se realizando! Graças a essas minhas pernas abençoadas, vou conquistar tudo a que eu tenho direito.”


Sua mãe, que sempre acompanhou sua trajetória e vibrou por suas inúmeras conquistas, não cansava de repetir:


- Se você quer ser alguém na vida, meu filho, corra! Corra o mais que você puder!


Um dia Osmar resolveu se profissionalizar e passou a competir em pé de igualdade com os chamados atletas de elite. Seu primeiro desafio foi correr na maratona Nike 10 K. Não deu outra, Osmar deixou os adversários comendo poeira. Em seguida, veio a meia maratona do Rio de Janeiro, a maratona de Nova York, corrida da Pampulha e muitas outras mais. E em todas as ocasiões , Osmar deu um show. Parecia que com o passar do tempo, sua preparação física, seu fôlego, ficavam cada vez melhor.

Com a chegada do final do ano, mais um desafio, a Corrida de São Silvestre, a única que ainda não contava no seu currículo, onde teria que enfrentar o favoritismo dos atletas quenianos, além das grande feras nacionais. Osmar se preparou e colocou na sua cabeça que iria ganhar essa competição. No dia da corrida, muita expectativa, os principais noticiários faziam suas apostas nos grandes nomes, deixando Osmar para segundo plano. Mas era por pouco tempo. Logo, logo seu nome iria ganhar as principais manchetes do final do ano. Osmar não só venceu a São Silvestre como bateu o recorde de tempo, melhorando em três minutos o menor tempo já obtido na prova.

Depois desse dia, o céu era o limite para Osmar. Ele podia tudo. Começou a ser chamado para as principais competições internacionais, faturando todas que participou. Os jornais internacionais estampavam seu rosto, com frases do tipo Osmar, o fenômeno das maratonas, mais conhecido como Osmaravilha!


Mesmo com toda essa fama, Osmar Átona continuava uma pessoa simples, com os mesmos valores do tempo que corria atrás dos balões capuchinho no Tucuruvi. Nunca se esqueceu de sua família e sempre que podia, quando ganhava um bom prêmio, mandava um adjutório para seus pais e irmãos.


Todo esse talento não podia passar desapercebido pelo COB – Comitê Olímpico Brasileiro – e não demorou muito para que Osmar fosse chamado para representar as cores de nossa bandeira em uma Olimpíada. Sua família se encheu de orgulho, na seção onde o seu pai Benjamim ainda trabalhava, todo mundo comentava a “convocação” do Osmar para participar da Olimpíada.


Era o único título que Osmar ainda não tinha e ele estava mais do que preparado para conquistá-lo. Estava em sua melhor forma, com sua confiança lá em cima. Para ele seria muito fácil, afinal, já havia conquistado duas maratonas de 40 quilômetros com uma boa vantagem sobre seus adversários.

No grande dia Osmar não titubeou. Saiu em disparada, mantendo a ponta. Os comentaristas esportivos falavam que ele era o conhecido “coelho”, que sai na frente, gasta toda a sua energia e depois vai sendo ultrapassado pelos atletas mais experientes que vão dosando sua velocidade para ter gás até o fim, guardando energia para o Sprint final.


O grande erro é que esses locutores não conheciam muito bem o Osmar. E por não conhecê-lo, julgaram que não passaria muito tempo ate que ele abrisse o bico. O que aconteceu foi justamente o contrário. Aqueles que conheciam Osmar muito bem não se surpreenderam. Ele manteve a dianteira do começo ao fim da prova e mais uma vez bateu o recorde das Olimpíadas, estabelecendo um tempo jamais imaginado por qualquer expert em corridas de maratona.


Osmar tinha entrado para a história como o maior corredor de todos os tempos. Mas depois das Olimpíadas, começou a acontecer algo estranho com o Osmar. Um grande vazio se instalou no seu peito e ele já não via mais motivação para correr. Nada mais o agradava. Um grande desânimo estava se abatendo sobre ele. Correr mais rápido que seus adversários já não era mais novidade, não trazia mais satisfação, não era mais desafiador, afinal, havia superado todos os adversários que enfrentou.


Foi então que ele viu que havia chegado a hora de mudar o rumo de sua vida.
Ele já tinha fama, já tinha dinheiro. O nome Osmar Átona virou sinônimo de corrida. Agora ele queria sossego. Pensou muito e tomou uma decisão. Procurou um especialista em árvore genealógica, pesquisou em bibliotecas, pois queria achar uma solução para aquela sua sina, que estava impregnada em seu nome. Ele precisava se livrar daquilo de qualquer forma.

Depois de muito pesquisar, encontrou o que queria em um de seus antepassados, o sobrenome de um tataravô por parte de pai de quem nunca havia ouvido falar.
Juntou todos os documentos, pegou um bom advogado e foi até o cartório onde foi registrado quando nasceu.
Mudou o seu nome para Osmar Asmo, pendurou os tênis de corrida, deitou-se em uma rede em seu sitio no interior de São Paulo e viveu feliz para sempre.

Assim termina a saga de Osmar Átona, o maior corredor de todos os tempos, hoje conhecido nas cercanias de Ibiúna como Osmar Asmo, um sujeito preguiçoso que gosta de ficar o dia todo na rede ou sentado em um tronco no quintal de seu sitio, sem fazer absolutamente nada, vendo as tardes quentes e modorrentas passarem vagarosamente.