quarta-feira, 21 de outubro de 2009

UM

- Um, dois, três...ele disse.

Uns pingos, umas gotas, invadiram o ambiente.


- Um, dois, três...ela disse.


Nenhum pingo, nenhuma gota.

- Quantas portas terei que fechar, quantas janelas terei que cerrar para que você entenda que as tempestades podem vir a qualquer momento?

Lá fora o mar continua impassível, com as ondas lambendo a areia num vai e vem infitino. Apesar do movimento intenso da maré, está muito calmo.

Tudo é muito bonito por aqui. A paisagem exuberante esconde segredos, restos de fantasia. Quando a noite cai, o cheiro da maresia fica mais forte, um abafado morno que gruda nas narinas e faz recordar outras praias, mares distantes, guardados nos recônditos da memória. Como um retrato em preto e branco, já desbotado, um clima de ausência, silenciosa solidão.

- Não tem mais jeito, você não aprende nunca!
- Não mude de assunto, estamos falando de portas e janelas.

Quando construiram a casa quiseram tudo muito aberto, portas e janelas amplas, varanda circundando a casa, uma clarabóia para deixar entrar a luz natural. Agora ela quer tudo fechado. Perdeu aquela confiança que tinha no tempo firme, ensolarado, nas noites pontilhadas de estrelas, da lua que rasgava o céu sem medo.

Da varanda ela observava as constelações, tentava ver os signos no céu, identificar o movimento das estrelas, ver nelas, as mudanças de estaçao, e durante as tardes quentes, o solstício e o equinócio.

Ele não sabe ao certo o que aconteceu. Porque essa teimosia enclausurada.


Ontem ela acordou e disse que precisava ir até uma serraria. Queria comprar tábuas para pregar nas portas e janelas. Jogou uma lona preta por cima da clarabóia.

- Acho que o que está apagando é a sua luz interior...